quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Gracinha perdida nos rascunhos

Havia esse menino. Um aluno do mundo, medroso e inseguro. E a espera ansiosa pelo amadurecimento que nunca viria, pois na espera ele errava a premissa. A barba cresceu, o menino graduou e nada do homem aparecer. Procurou nos livros, nos filmes, nos amores. O homem não vinha. Estaria condenado a ser menino para todo o sempre? E quem olharia por ele quando os pais morressem? Mas menino, emancipação não vem de brinde com o diploma, não. Também não vem encravada no tempo, com surgimento dos pêlos e o brotar do sêmen. Nos livros, nos filmes, nos amores. E muito menos vai estar dentro do ônibus que você espera nesse ponto. Vem de um dentro mais secreto, menino, do lugar onde a gente se esqueceu. Cê ainda está aí?! Dá aqui esse fone de ouvido. Pare de escutar o mundo e vai te ouvir, ver que o mundo já está aí dentro, pare de fugir dele.

Despertar

Os foguetes que construímos, nós os bichos modernos, nos arremessaram para longe da questão. Há este estado catatônico na vida do entretenimento, este gozo sem gosto, o tesão molenga em consumir a vida barata que compramos ao nascer. Está dado o todo, e o mundo se divide nos que morrem de fome e os que morrem sem fome de vida.

Há esse movimento cada vez mais fundo em direção ao limite da superfície. Quem poderia adivinhar que a superfície não é uma linha divisória? É extensa, de frivolidade profunda, e ao que parece, não acaba nunca. Há a superfície da superfície. E a superfície da superfície da superfície. É de se afogar, não se atravessa. Confunde, ilude, conforta. Pois não há lado de fora. Há o estar cada vez mais fora de si, viciado e refém da ignorância de si mesmo. Difícil não ser sobrevida desta vida pastel de cores vibrantes, esfomeada por esvaziamento. Focar o que realmente importa, ter lucidez. O que realmente importa?

Sou freguês da superfície, ela sempre me ganha em banho-maria. Mas a questão pulsa aqui, aí, em todo lugar. A fumaça dos cometas mecânicos não apaga o que a superfície faz esquecer. Desde que o mundo é mundo a batalha é de vida e morte, tudo ou nada. Há interna essa guerra diária. Há de se escolher pelo que sangrar. E sangrar.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Pavor

Acabei de descobrir a seção "estatísticas" nas ferramentas do blog. Isto é terrível! E o meu direito de bisbilhotar a vida alheia em segredo??

Confisco

Pegou-se sorrindo e percebeu o peito aquecido, foi procurar o motivo para que o gozo lhe fosse legítimo. Daí que não viu razão aparente, pelo contrário: olhando para si, achou a alegria uma afronta. E agora? Uma pequena frustração. Teria que devolver o prêmio dado ao engano? Sentiu a quentura esfriar dois degraus, e inconformado, rastreou os pensamentos com mais cuidado. Concluiu que provavelmente foi efeito da música. Mas vindo da música, vale? E aí nem tinha mais brasa para alimentar, o momento havia passado. Quase achou graça na sua auto-censura... Felicidade, nem de graça. Sentir? Só depois do sentido.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Por que o vento não me levou

Você admira a leveza das nuvens, a suavidade com que se formam e desmancham, fáceis. A serenidade das nuvens, feitas de movimento, para o movimento, entregues ao vento... Acha fofo, não é? Então por que não me solta?? Eu preciso seguir em frente, da vida fluida, das mutações bem vindas. Mas você não deixa. Por quê? Vê que eu nem peço ajuda para o impulso, há vento de sobra aqui dentro. E você tranca as janelas para ir se esquecer na rede, sempre muito ocupado em não ocupar-se de nada, boicotando meu caminho.

Fica o ar carregado, você no deserto e eu chovendo no molhado, e quando volta a si, toma por vida requentar a morte. Calça as pantufas, estoura as pipocas, e vai assistir ao "vale a pena ver de novo" que você costurou das lembranças com tanto afinco. É noveleiro, adora um drama. Fica lá esparramado na poltrona, comovido com o filme triste. E se delicia na análise. Busca o chicote, acende o maço de cigarros e fica a divagar sobre o que e os porquês dos méritos e desméritos desse produto inventado.

Chega a hora do julgamento, e após longas sessões de masturbação mental, o juri considera o réu culpado pela pobreza da peça representada. Mea cvlpa! - shhtáaa, estala o chicote - mea cvlpa! Daí você se enfia coitadinho na rede e nisso vão-se dias, semanas, meses... até que uma nova versão do filme triste é apresentada. Ó céus, dai-me paciência! Isso tudo é medo da vida, toma vergonha nessa cara. De uma vez por todas, abra as janelas e deixe-me ir!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

PROJETO "COMO DEIXAR DE SER UM COXINHA"

Saindo da bolha e procurando um emprego

FASE 1: PORTARIA DAS PRODUTORAS


DIA1:

Produtora: Olhos de Cão
Primeira tentativa
Atendido ao interfone pela senhora que cuida da casa. Ela teve a delicadeza de descer até o portão para dizer que "eles estão em reunião". Pediu que eu mandasse um email ou ligasse para a produtora. Perguntei o nome dela, e depois de 50 metros de ladeira, ESQUECI.

Produtora: Sentimental Filmes

Primeira tentativa
Atendido na portaria do edifício comercial por uma moça que se dispôs a interfonar para a produtora. Atendido ao interfone pela Fernanda que gentilmente me repassou três emails dos diretores da produtora. A moça da portaria me desejou boa sorte.

Produtora: Drama Filmes
Primeira tentativa
Atendido ao interfone pela assistente Fernanda (são duas Fernandas, não tô inventando, não). Disse que os diretores não estavam e sugeriu que eu enviasse um email. Quando eu pedi para entrar e conversar com ela, ela sugeriu que eu poderia deixar meu material com eles. COMO EU NÃO LEVEI MATERIAL ALGUM, apenas o computador com os trabalhos, perdi a oportunidade.

Produtora: MOOVIE

Segunda tentativa
Atendido ao interfone pela Renata, que me desceu até o portão e sugeriu, pela segunda vez, que eu ligasse para marcar uma hora com o diretor Marcelo, já que ele estava em reunião. BOA IDÉIA.

Produtora: Brasileira Filmes

segunda tentativa
Atendido ao interfone por uma moça que me comunicou a impossibilidade de conversar com a coordenadora Rose, com a qual eu já havia falado na semana passada. Na ocasião ela foi muito generosa e me desejou boa sorte. Até agora, a primeira e a única vez que eu passei do interfone.

Parada: suco de limão e cerveja no Empanadas.

Produtora: Bossa Nova Filmes

Primeira tentativa
Atendido na recepção pela Regiane, que gentilmente me repassou 2 contatos de coordenadores da produtora.


BALANÇO GERAL:

Nível de gagueira: 6
Auto-estima: 4
Suor: 8
Persuasão: 5

APRENDIZADOS:

1. Lembrar sempre o nome das atendentes.
1.1. Andar com uma caneta na mão para anotar o nome delas.
2. Produzir um DVD com um reel dos meus trabalhos. Muito melhor que andar com a porra do computador pra cima e pra baixo, além de ser um resumo das melhores partes das coisas que já fiz, escondendo imperfeições do todo.
3. Pode ser uma boa tomar uma cerveja entre as visitas.
4. Cortar o cabelo. Calor, suor e ladeiras... e ele fica assim:

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

Redenções

Quis tê-los todos, vagalumes em frascos povoando meu vazio. Amores em conserva na dispensa e eu livre da maldição de minha mãe, o fantasma errante. Medéia assombrada no apartamento em ruínas, intocável. Eles independem de meus desejos e foram embora para outros prazeres, desencantados de meus re-feitiços.

Carreguei as carcaças de meus amores fugidos e as deitei na mesma cama em que gozava com os novos amantes. E com os beijos de terceiros empalhei desejos mortos. Amantes viraram amores e amores foram negligenciados. Como a matriz, zelei pelo sono dos fantamas e esqueci os de carne dormindo no sereno, engordei os finados de ódio e ternura, deixei com fome os companheiros.

Peço desculpas aos mortos, aos vivos, a mim mesmo. Saibam que os amei. Por trás da mimese, sempre estive atento às suas belezas e fragilidades. Aprendi da coragem e da leveza observando seus passos, e presenciei aflito os desastres das mãos do que não soube amar. Enquanto vocês me protegiam com cuidados maternais, eu fazia de mim a mãe ausente de si mesma.

Se fiz que não os enxerguei, foi para ser enxergado, assim como ela, que mais tarde foi a julgamento. Condenada, definhou-se em mim por cinco anos. Pois hoje te liberto, está perdoada, mais que isso, absolvida. Segue em paz, que de ti estou curado. Aos meus amores, todo amor que houver nessa vida e algum veneno anti-monotonia.

terça-feira, 23 de março de 2010

Meu amor de verão

Eis que em seu colo cai uma paixão. E ele se embriaga dela, para ela, com ela. Qualquer um dos bêbados aos lados perceberia o brilho encantado no seu olhar, não estivessem todos deslumbrados por seus próprios sonhos. Ele sorri sincero e escancarado, feliz pelo reencontro de boa surpresa. Palavras brotam do seu fundo tão guardado e saem fáceis e macias, todas excitadas com ternura. É prazeroso senti-las vazar sem censura, tão prazeroso que ele ainda inventa outras, para que a delícia não acabe nunca. Quis meu amor na escola, quer me beijar hoje.

Decidido, leva o inesperado para o apartamento, sem rodeios. E enquanto me beija e abraça e amassa, sorri de nervoso e o corpo treme, tão feliz. Não sabe se põe as músicas que mais gosta ou estica a rede na varanda, se fala das coisas do seu mundo ou cala a boca para os beijos e abraços e amassos. E canta também. É lindo vê-lo assim, tão diferente e apaixonante, como não cair por ele? Celebra estar vivo, enfim, ou quase lá, e como se o amanhã fosse tarde demais, chama para o cinema no fim de nossa madrugada, quando eu pegava o elevador. Caminho quarteirões até minha cama e a manhã parece nova. Feliz reencontro, eu penso. Entre ele e eu, entre eu e a paixão. Feliz reencontro.

Noutro dia, visto o filme, voltamos ao bar. A saideira sempre a sair, confissões, reflexões, encantos. É bom demais conversar com ele, repertórios se cruzam com propriedade e, embora os entendimentos sejam sempre díspares, partem de pressupostos semelhantes. As mesmas inquietações de mundo, dividimos sensibilidades. Diz que sou cativante. Quer um companheiro pra vida e tem medo de morrer sozinho. Depois os beijos e abraços e amassos no carro. A ânsia, a vontade de não largar. E quando eu pergunto, aflito, sobre o próximo encontro, ele comemora o jogo ganho. Então ele quer me ver novamente! Quero muito.

Por email me entrego, que não me aguento em mim, transbordo. Que belo reencontro! Mando recados cúmplices, recebo reticências. Não durmo, confuso. Enfrento a semana para o encontrar e quando eu acho que venci o tempo, perdi para o sono dele. Medroso, me concede a visita três dias depois. E me recebe num aperto de mãos. Pontua. Que está assustado. E eu fiz dele uma tela branca. Pintei a história conforme inventei as sensações. Projeções. Já não sei mais quem é quem. Concordo, envergonhado, deve ser.

De todas as palavras, nem de todas ele se lembra e, das que ele lembra, algumas eram inverdades, ditas para eu não me afastar. Que definitivamente ele também gosta de mulher e, sóbrio, é um, bêbado, é outro. Mas não me dispensa. Manda ver dois ou três copos de uísque e me leva pra cama. E na cama ele lamenta que não temos jeito mesmo, porque ele pensou que eu fosse dos que só davam o cu e eu não sou. E ele nunca há de dar o cu. Não acredito, ainda. Convido ao cinema. Hoje não poderei, sorry. Eis então que, mais que um enrustido de merda, ele é um pequeno idiota. Que as paixões não cheguem mais a ele.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Personificações

De uns tempos pra cá ele menciona o vento. Antes como ameaça, e então com certa ternura. E eu invento que estou lá, abstrato, no meio confuso dos seus sentimentos. Não seria divertida a história? Para o azar da mulher prêmio, dois cavalheiros se apaixonam em duelo. Coitada, tão vaidosa. Eu e ele, um encontro improvável a depender do bom senso dos homens. Mas não para o vento. Improvável seria nele não nos encontrarmos, que tudo toca e varre todo lugar. E se o que há de concreto não lhe serve de freio, que poderes tem as limitações do pensamento? Não há reservas na corrente de ar que nos liga. Daqui ao castelo ele não tem pressa, mas vai ligeiro, de encontro aos teus muros. Então perde a força. Chega brisa na janela e toca tua face, com a mesma boca que me roubou um beijo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

No deserto em mim

E de repente me re-encontro neste outro lugar, neste velho e conhecido lugar, de onde eu sai e que agora volta a mim, como se pela primeira vez. Essa planitude sem fim, deserto de pedra amarelo, onde nada cede, de onde nada se ergue. Aqui não há sol nem lua, é mais chão do que céu e a gente sente falta ar. Reina uma paz seca, traiçoeira, e a consciência turva na sensação de se estar embriagado em lucidez. Tudo lá fora perde propósito, esvazia-se de sentido, vira simulacro. A felicidade se curva, vergonhosa do colorido, e dá lugar a um vazio devastador, que parece ser a verdade nua do mundo.

Ao passar das horas, desejos, sentimentos e lembranças de outros tempos e espaços se tornam distrações na certeza do que realmente importa: o não importar das coisas. Quando se vê, não há mais nada. Existência presa na não-existência, e a gente dorme para não acordar. O tempo é irregular, tem dia que custa uma vida para escurecer, e então acontece uma sequência frenética de noites e dias, que se fundem e confundem, dando a impressão de que o tempo se dilatou num único e nebuloso momento. Quantas vezes estive aqui? Quando e onde neste lugar? Como se entra e se sai? Não há espaço para memória, todo preenchido do vazio amarelo. Aqui não há brechas e quando lá fora, é como se ele nunca houvesse existido. Olho a minha volta e tudo o que há é a imensidão de desprazer, silêncio, pedras e falta de ar. E então um espelho.

Nenhuma idéia da saída? Não, não vejo nenhuma, somos eu e o deserto, apenas. E o que há pra se fazer aqui? Além de chutar pedra. Nunca havia pensado sobre. O que há pra se fazer? Dormir. Não há nada, mesmo, espera-se sair. Sim, eu me lembro das esperas. Esperar no deserto, é o que se faz aqui. E pelo que se espera? Que um buraco se abra e nos engula daqui? Por acordar em outro lugar. Isto é enlouquecedor. Não posso mais, como acontece? Acontece o que? O outro lugar. Não sei, eu não me lembro! E quantas perguntas, você está enchendo o vazio de palavras. Por que você não senta lá naquela pedra e espera? Vai tomar um pouco de melancolia, de repente acontece, você vai ver. De repente o outro lugar? Sim, de repente. Como num estalo? Isso, num estalo, um sopro de vida ou uma pessoa querida, e então de volta para o outro lado. Então é assim que acontece! Nos fitamos surpresos. Sim! Você me lembrou, obrigado!

Mas é sempre o de fora vindo te buscar?! E eu me calo. Sim, ele tem razão, como não?? Sempre um de fora vindo me buscar aqui nesse lugar. Isso é terrível! Silêncio. E se não aparecer ninguém? E se basta que a vida te tire daqui, por que é que você fica esperando?? O que você sabe pra me julgar com esse olhar?! Um soco no espelho estilhaça a metade de cima. Há um corte entre o dedo anelar e o médio, e de repente o deserto começa a falsear. Sorrio. Você vai nos tirar daqui, vê?! Este lugar já começa a desaparecer! Foi teu sopro, que sorte a minha! A gente não pode ir ainda. Como não? Sabe há quantas semanas estou preso aqui?! Vamos é já! Não, não vamos. A gente não pode ir sem deixar uma pista da saída, caso o deserto caia em ti de novo. Que eu não quero passar outras semanas aqui a espera da morte, nem da sorte. Deixar o que? Não há nada para se deixar ou levar desse lugar. Pois, então, ele ia dizendo, e eu, Esqueça. Alarme falso. Não há mágica de desencanto, era o olhar que desembaçava. Continuamos aqui. E com sangue, ele escreveu no que sobrou do espelho: Pois então vá buscar a vida.