quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

No deserto em mim

E de repente me re-encontro neste outro lugar, neste velho e conhecido lugar, de onde eu sai e que agora volta a mim, como se pela primeira vez. Essa planitude sem fim, deserto de pedra amarelo, onde nada cede, de onde nada se ergue. Aqui não há sol nem lua, é mais chão do que céu e a gente sente falta ar. Reina uma paz seca, traiçoeira, e a consciência turva na sensação de se estar embriagado em lucidez. Tudo lá fora perde propósito, esvazia-se de sentido, vira simulacro. A felicidade se curva, vergonhosa do colorido, e dá lugar a um vazio devastador, que parece ser a verdade nua do mundo.

Ao passar das horas, desejos, sentimentos e lembranças de outros tempos e espaços se tornam distrações na certeza do que realmente importa: o não importar das coisas. Quando se vê, não há mais nada. Existência presa na não-existência, e a gente dorme para não acordar. O tempo é irregular, tem dia que custa uma vida para escurecer, e então acontece uma sequência frenética de noites e dias, que se fundem e confundem, dando a impressão de que o tempo se dilatou num único e nebuloso momento. Quantas vezes estive aqui? Quando e onde neste lugar? Como se entra e se sai? Não há espaço para memória, todo preenchido do vazio amarelo. Aqui não há brechas e quando lá fora, é como se ele nunca houvesse existido. Olho a minha volta e tudo o que há é a imensidão de desprazer, silêncio, pedras e falta de ar. E então um espelho.

Nenhuma idéia da saída? Não, não vejo nenhuma, somos eu e o deserto, apenas. E o que há pra se fazer aqui? Além de chutar pedra. Nunca havia pensado sobre. O que há pra se fazer? Dormir. Não há nada, mesmo, espera-se sair. Sim, eu me lembro das esperas. Esperar no deserto, é o que se faz aqui. E pelo que se espera? Que um buraco se abra e nos engula daqui? Por acordar em outro lugar. Isto é enlouquecedor. Não posso mais, como acontece? Acontece o que? O outro lugar. Não sei, eu não me lembro! E quantas perguntas, você está enchendo o vazio de palavras. Por que você não senta lá naquela pedra e espera? Vai tomar um pouco de melancolia, de repente acontece, você vai ver. De repente o outro lugar? Sim, de repente. Como num estalo? Isso, num estalo, um sopro de vida ou uma pessoa querida, e então de volta para o outro lado. Então é assim que acontece! Nos fitamos surpresos. Sim! Você me lembrou, obrigado!

Mas é sempre o de fora vindo te buscar?! E eu me calo. Sim, ele tem razão, como não?? Sempre um de fora vindo me buscar aqui nesse lugar. Isso é terrível! Silêncio. E se não aparecer ninguém? E se basta que a vida te tire daqui, por que é que você fica esperando?? O que você sabe pra me julgar com esse olhar?! Um soco no espelho estilhaça a metade de cima. Há um corte entre o dedo anelar e o médio, e de repente o deserto começa a falsear. Sorrio. Você vai nos tirar daqui, vê?! Este lugar já começa a desaparecer! Foi teu sopro, que sorte a minha! A gente não pode ir ainda. Como não? Sabe há quantas semanas estou preso aqui?! Vamos é já! Não, não vamos. A gente não pode ir sem deixar uma pista da saída, caso o deserto caia em ti de novo. Que eu não quero passar outras semanas aqui a espera da morte, nem da sorte. Deixar o que? Não há nada para se deixar ou levar desse lugar. Pois, então, ele ia dizendo, e eu, Esqueça. Alarme falso. Não há mágica de desencanto, era o olhar que desembaçava. Continuamos aqui. E com sangue, ele escreveu no que sobrou do espelho: Pois então vá buscar a vida.

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