terça-feira, 23 de março de 2010

Meu amor de verão

Eis que em seu colo cai uma paixão. E ele se embriaga dela, para ela, com ela. Qualquer um dos bêbados aos lados perceberia o brilho encantado no seu olhar, não estivessem todos deslumbrados por seus próprios sonhos. Ele sorri sincero e escancarado, feliz pelo reencontro de boa surpresa. Palavras brotam do seu fundo tão guardado e saem fáceis e macias, todas excitadas com ternura. É prazeroso senti-las vazar sem censura, tão prazeroso que ele ainda inventa outras, para que a delícia não acabe nunca. Quis meu amor na escola, quer me beijar hoje.

Decidido, leva o inesperado para o apartamento, sem rodeios. E enquanto me beija e abraça e amassa, sorri de nervoso e o corpo treme, tão feliz. Não sabe se põe as músicas que mais gosta ou estica a rede na varanda, se fala das coisas do seu mundo ou cala a boca para os beijos e abraços e amassos. E canta também. É lindo vê-lo assim, tão diferente e apaixonante, como não cair por ele? Celebra estar vivo, enfim, ou quase lá, e como se o amanhã fosse tarde demais, chama para o cinema no fim de nossa madrugada, quando eu pegava o elevador. Caminho quarteirões até minha cama e a manhã parece nova. Feliz reencontro, eu penso. Entre ele e eu, entre eu e a paixão. Feliz reencontro.

Noutro dia, visto o filme, voltamos ao bar. A saideira sempre a sair, confissões, reflexões, encantos. É bom demais conversar com ele, repertórios se cruzam com propriedade e, embora os entendimentos sejam sempre díspares, partem de pressupostos semelhantes. As mesmas inquietações de mundo, dividimos sensibilidades. Diz que sou cativante. Quer um companheiro pra vida e tem medo de morrer sozinho. Depois os beijos e abraços e amassos no carro. A ânsia, a vontade de não largar. E quando eu pergunto, aflito, sobre o próximo encontro, ele comemora o jogo ganho. Então ele quer me ver novamente! Quero muito.

Por email me entrego, que não me aguento em mim, transbordo. Que belo reencontro! Mando recados cúmplices, recebo reticências. Não durmo, confuso. Enfrento a semana para o encontrar e quando eu acho que venci o tempo, perdi para o sono dele. Medroso, me concede a visita três dias depois. E me recebe num aperto de mãos. Pontua. Que está assustado. E eu fiz dele uma tela branca. Pintei a história conforme inventei as sensações. Projeções. Já não sei mais quem é quem. Concordo, envergonhado, deve ser.

De todas as palavras, nem de todas ele se lembra e, das que ele lembra, algumas eram inverdades, ditas para eu não me afastar. Que definitivamente ele também gosta de mulher e, sóbrio, é um, bêbado, é outro. Mas não me dispensa. Manda ver dois ou três copos de uísque e me leva pra cama. E na cama ele lamenta que não temos jeito mesmo, porque ele pensou que eu fosse dos que só davam o cu e eu não sou. E ele nunca há de dar o cu. Não acredito, ainda. Convido ao cinema. Hoje não poderei, sorry. Eis então que, mais que um enrustido de merda, ele é um pequeno idiota. Que as paixões não cheguem mais a ele.